O episódio do dia 14 de novembro de 2007 da Grande Família, teve sua abertura modificada (ótima característica gráfica da série) para um jogo de videogame, base da trama do episódio, com a música de abertura transformada em “blips” e “blops” dando fundo a uma animação de um jogo que o personagem Tuco estava jogando antes de levar uma bronca de Lineu. Perto do final, o próprio Lineu traça um paralelo entre a insistência em se passar de uma fase do jogo o qual não sabia jogar e a perseverança, surpreendendo e derrotando o filho numa partida.

Após as apresentações do Video Games Live no Brasil, os holofotes foram direcionados, ficou clara a presença inegável dos jogos eletrônicos na cultura, não apenas pop, no Brasil. Toda uma geração de fãs que antes eram crianças choronas pedindo o último cartucho lançado, ou o mais novo sistema Nintendo, Sega ou Sony, hoje é adulta, produz e tem dinheiro. Algumas horas antes de estar aqui, escrevendo sobre isto, vi um carro de uma empresa de dedetização com uma figura de Bomberman ao lado da frase “Ligou, dedetizou!”, e recentemente uma rede de drogarias de Brasília adotou uma logomarca em forma de coração que é simplesmente um heart container da série Zelda.

No mundo inteiro isto tem sido percebido, desde comerciais de televisão até megaproduções de Hollywood, todos têm, hoje, uma linguagem adaptada a (e por) esta geração que consegue processar toda a informação da tela e fazer dela diversão. Tudo é frenético, suscinto, rápido, e ai de quem não souber concentrar toda a informação necessária no jogo de luzes, cores e sons das artes cinematográficas e televisivas. A indústria e cultura dos games faz correr, hoje, mais dinheiro do que a milionária Hollywood.

O mercado mudou. A Nintendo foi, após o lançamento descompromissado de seu Wii e do sucesso do portátil NintendoDS, a empresa que mais se valorizou nos últimos meses, na proporção de quase o dobro. Ela se tornou a segunda empresa mais valiosa do Japão e atualmente já “arranha” o valor de mercado da líder Sony, sem vender televisores, câmeras digitais ou demais gadgets que (a Sony) possui em sua vasta linha de produtos. A Microsoft se adapta ao mercado forçada não apenas pelo fenômeno Google, mas também pela concorrência no mercado de entretenimento digital com seu XBox360. A Sony mantém-se como líder em número de consoles vendidos com seu Playstation 2, lançado em 2000 (seu Playstation 3 ainda demonstra retração por um mercado impressionado com o XBox e sedento pelo Wii) e detém exclusividade de franquias importantes, oferecendo sempre jogos grandiosos, e isso tudo faz dinheiro. Movimenta quantias de dinheiro inimagináveis à época dos consoles de oito bits.

A música, com as novas tecnologias de armazenamento de dados, pôde ser mais trabalhada, e até os antigos “bips” melodiosos e repetitivos hoje são revisitados e rearranjados por fãs e artistas de todo o mundo. Não apenas isto, a banda de rock alternativo Muse tem uma música chamada “Bliss” que começa com um som conhecido dos jogadores do antigo jogo de Super Nintendo, Top Gear. MegaDriver é um guitarrista brasileiro que já faz versões heavy metal de trilhas de jogos há alguns anos, Play! é uma proposta similar à do VGL, Beginning of Fantasy segue a mesma linha com trilhas oficiais (e permissão irrestrita) da franquia Final Fantasy e a banda mineira 8 Bit, que se apresentou como convidada no tour 2007 do VGL em Brasília. Banda esta, inclusive, muito competente no quesito adaptação, pois se utiliza de elementos de blues, jazz, funk (o original), reggae e rock, claro (entrevista abaixo).

Num mercado tão grande quanto o do Brasil, não se justifica a relutância da Sony e da Nintendo em lançar seus consoles no país. Os adeptos da Microsoft não hesitam em comprar o XBox360 nacional pelo preço absurdo forçado por uma política fiscal que causa um aumento de mais que o dobro do valor original, impedindo a influência direta do preço do dólar no produto nacional e impedindo que empregos e indústrias se instalem no país. A pirataria nada mais faz do que se aproveitar deste cenário para comercializar seus chips desbloqueadores (que permitem a utilização de jogos piratas) e seus produtos contrabandeados mais baratos. Daí vem a maior importância da VGM (Video Game Music), que sem dúvida atrai a atenção de executivos e políticos responsáveis pelas áreas interessadas. Os fãs se revelaram, o mercado é certo. É fácil perceber que a paixão ao mundo dos games e a cultura “rivalista” dos usuários das plataformas Microsoft, Sony e Nintendo, como se fossem times de futebol, faz com que a busca por produtos piratas nem seja cogitada, caso os preços estejam minimamente na linha dos preços internacionais. Vale lembrar que no lançamento da penúltima geração de iPods, foi constatado que o iPod brasileiro é o mais caro do mundo, quando o preço nacional é convertido em dólares.

Ao contrário do mercado de entretenimento visual, no qual o jogo eletrônico já é considerado uma nova arte (Duvida? Conheça Okami), a VGM nunca alcançará grande visibilidade no mercado fonográfico, excetuando as trilhas de games que se utilizam de trilhas de artistas famosos, como Tony Hawk’s Pro Skater e a linha Need For Speed. Nem precisa, pois, mais importante do que isto, a VGM é o meio mais forte para a

integração dos gamemaníacos e de quem não sabe nem “quem é o Mario”, pois além de a música ser universal, a cultura dos games não é mais uma manifestação paralela. Faz parte da própria cultura e influencia o mercado como nunca. Os caras da 8 Bit, como representantes práticos disto, após o assédio causado pela divulgação de um estilo musical por vezes desconhecido até de quem respira videogame, responderam algumas perguntas, para elucidação geral.

- Quais são as suas influências musicais?
André: Como músico sou obrigado a conhecer muita coisa diferente e não tem como não assimilar isso na hora de compor. Mas minhas maiores influências estilísticas são o Funk e o Rock. Mas gosto de ouvir muita coisa diferente, de baião a rock progressivo, de Rogério Skylab a Air, e tudo isso acaba me influenciando.
Luciano: Uai, tudo sô (hahaha)!! É muito complicado falar o que me influencia, e o que eu sigo de influência pra tocar VGM. A própria música dos jogos já oferece uma gama diversa de estilos. Agora se for pra falar sobre o que ando escutando, é até engraçado. Faço parte de uma banda-baile e estou tocando desde Ivete Sangalo, Falamansa, boleros e até Martinho da Vila. Não tem como rejeitar as possibilidades dos estilos e pegadas todas influenciar no que fazemos. Agora, se for falar do que eu gosto de ouvir é metal, e ando ouvindo ultimamente bastante Trip Hop e Industrial, que são músicas viciantes.
Rodrigo: Não tenho nenhuma influência maior que eu poderia categorizar como tal. Eu tento conhecer (na medida do possível) e extrair o melhor de cada estilo.
Moisés: Eu gosto de tudo. Mas principalmente heavy metal, MPB e Jazz/Fusion. Seria mentira dizer que até as músicas “POPs” que também toco em uma banda-baile não me influenciam. E acho que tudo isso que foi dito por nós fica bem claro no som que a banda faz.

- Os arranjos são pensados em conjunto, ou cada um adiciona sua influência pessoal?
Rodrigo:
Acho que as duas coisas. As vezes alguém aparece com uma idéia já pronta e todos acham que caberia bem. Às vezes a idéia proposta inicialmente se transforma com a intervenção de cada um do grupo. Acho que isso não segue um padrão, tudo depende do momento. Mas particularmente acho muito mais válido quando cada um adiciona suas idéias, pois venho fazendo arranjos sozinho há algum tempo, e nada de tão inesperado e inusitado acontece, porque todos os eventos são pré-estabelecidos por mim, e também é uma tarefa mais árdua e solitária.
Luciano: E o processo fica o seguinte: primeiro a gente seleciona bem os temas que vamos trabalhar. Daí então cada um escuta e pensa em algo. No ensaio a gente junta tudo e vai moldando a coisa.
André: Às vezes penso algo que na minha cabeça soaria bem legal, mas na hora do ensaio não rola e a idéia é descartada.
Moisés: E no fim eu sempre acho que não está legal (risos). Aí fazemos tudo de novo…

- Vocês acham que o interesse pela manifestação artística da VGM só causa efeito se gerar nostalgia?
Luciano:
Primeiramente ela é válida pelo próprio propósito de se fazer arte.
Rodrigo: Depende do que se considera manifestação artística. A meu ver, os novos consoles tem trilhas sonoras cada vez mais sofisticadas, tanto na composição quanto na concepção, e também nos quesitos técnicos como qualidade de áudio e qualidade musical das orquestras e/ou músicos e compositores. Assim como no início do século passado o cinema havia herdado a tradição da música européia desenvolvida ao longo de muitos anos, nos quais foram criadas as óperas e outras manifestações nas quais se uniam a música e outras linguagens, o video game de certa maneira herda toda a tradição, tanto da música de cinema quanto da música como um todo desenvolvida no ocidente, como o uso de música eletrônica e outras diversas tendências desenvolvidas fora do âmbito da música erudita. O caso da nostalgia entra como um elemento a mais, que fortifica o efeito das músicas. Para muitos as músicas representam uma época de suas vidas, na qual geralmente eram crianças e se divertiam com os amigos da rua jogando. Esse sentimento é insubstituível, e é claro que tentamos explorá-lo, pois as composições dos jogos antigos também têm esse efeito para nós.
André: Como o Rodrigo disse, a composição musical para video game vem se desenvolvendo cada vez mais e é mais um elemento da cultura gamer, juntamente com a arte visual, literatura etc, e está muito presente na vida dos jogadores. Já nos perguntaram em apresentações se não iríamos tocar músicas como as do Final Fantasy VII. Seria ótimo também. São grandes composições. Mas nossa intenção desde o início foi de nos voltar para a nostalgia dos consoles das terceira e quarta gerações (que particularmente prefiro), e limitando a essas já temos um enorme número de jogos com uma trilha sonora que gostaríamos de adaptar à formação da nossa banda. Mas a idéia de fazer algo mais recente está aí, alguém se habilita a adotá-la?

- Existem projetos para a banda, ou preferem manter apresentações reduzidas e aumentar a abrangência na internet?
Rodrigo:
A banda ainda é nova, tem pouco mais de um ano e já realizamos muitos objetivos, como gravação de CDs, vídeos, apresentações em eventos de porte, enfim. Mas acho que o sentido é de se ter uma banda e tocar, afinal é para isso que começamos isso tudo, porque se fosse apenas para divulgar o trabalho pela internet eu poderia fazer meus arranjos e divulgá-los. Mas temos projetos que envolvem outros músicos e também utilização de outras linguagens como artes visuais. Não queremos divulgar nada ainda, mas se der certo, em pouco tempo divulgaremos os nossos novos projetos.
André: A internet tem sido nossa principal ferramenta para a divulgação do trabalho, mas não abandonaremos a idéia de que somos uma banda e queremos nos apresentar. Esse é o foco. O grande problema é que, assim como a grandiosa indústria dos games ainda não está instalada por aqui, também não há um movimento cultural tão forte. E não digo isso apenas da região do triângulo mineiro. Isso acontece em âmbito nacional - guardadas as proporções das grandes capitais, é claro. O Video Games Live conseguiu reunir um grande público, mas aconteceu uma vez por ano até agora e em grandes cidades. Imaginem uma iniciativa brasileira para um projeto semelhante. Seria necessário muito dinheiro para que se desenvolvesse e não sei até quando duraria. A única alternativa seria tentar trabalhar com um público bem seleto e pequeno e ficar enviando gravações por internet para todo o mundo e se contentar com isso, ou criar um cenário antes de qualquer coisa. E estamos nos concentrando nisso nesse possível cenário, tentando encontrar bandas, grupos ou pessoas que tenham o interesse em dialogar a respeito da arte em jogos eletrônicos com o fone nesse estilo de releitura (no nosso caso, a música).

- Como foi se apresentar em pleno Video Games Live, em Brasília?
Rodrigo:
Foi meio estranho. Eu não estava preparado. Já havia comprado o ingresso para ir e já havia arrumado a mala e estava quase saindo de casa quando resolvi conferir meu e-mail antes de sair e havia uma resposta do Tommy, pedindo para entrar no Skype e falar com ele sobre a apresentação. Mas de qualquer maneira, não sei muito bem como agente tocou no Vídeo Games Live até agora. Para mim, tocar no VGL foi ao mesmo tempo gratificante e frustrante, porque é um dos maiores eventos do segmento e fiquei pensando “e agora o que agente faz?” Até fiz uma brincadeira: “pronto, então agente já conseguiu o que queria. Até mais para vocês vamos acabar a banda”. Brincadeiras à parte, acho que “surreal” é a palavra que resumiria tudo o que aconteceu para mim.
André: Foi a segunda vez em um ano que nos apresentamos em um evento relacionado especificamente a video games e dessas duas foi a primeira delas com um público tão grande. Foi maravilhoso. Eles estavam ali para ouvir o que íamos tocar. Pra mim, assistir ao espetáculo já teria sido ótimo. Estar no mesmo palco que eles então…
Luciano: Foi uma realização grandiosa.
Moisés: Muito compensadora e muito divertida também. Afinal, de que adiantaria algo relacionado a jogos que não fosse divertido?

- Já existe uma lista com as próximas adaptações? O que os novos fãs podem esperar?
Luciano:
A galera já pôde sentir ai no VGL o gosto do que vai sair mais pra frente com Metroid, que estamos “quebrando a cabeça” pra fazer algo bem legal e diferente.
Rodrigo: Claro. A minha lista está pronta. Vamos ver quais vão entrar no próximo trabalho… Segue a lista de títulos: Alex Kidd In Miracle World, Golden Axe, Ghouls And Ghosts, Comix Zone, Zelda, Metroid 3, Castlevania, Ninja Gaiden, Double Dragon, Donkey Kong, Chrono Trigger.
André: Vamos ver se dessa vez conseguiremos suprir os pedidos que vêm por myspace, orkut, e-mail ou nas próprias apresentações. E além desses jogos que o Rodrigo citou, eu sempre tento colocar algum tema que pessoalmente gosto, independente de as pessoas se lembrarem ou não, como Nigel Mansell’s W.C.R. e Phalanx.
Moisés: Phalanx é muito bom!* (risos)

Neste link você confere o vídeo da apresentação da banda no VGL e 30 de setembro de 2007.

*Phalanx, da Kemco (mesma produtora do ótimo Top Gear), está no top 15 piores capas de jogos de Super Nintendo, do site 1up. Confira que belíssima arte gráfica (sem pegadinhas) aqui.

Gostou deste artigo? Assine nosso feed e continue atualizado.